segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Um retrato

Em Ponte de Lima, na "memorável" jornada minhota, Cavaco em resposta a uma mulher que o interpelava, respeitosa para não dizer submissamente, queixando-se da sua magrérrima reforma, Cavaco, apontando para a sua/dele mulher ("a minha senhora") e, naturalmente, com todo o desprezo por quem lhe queria falar da sua situação, interrompeu-a e disse o que foi gravado pela TSF:

«Esta é a minha senhora. Esta senhora trabalhou praticamente a vida toda. Sabe qual é a reforma dela? Não chega a 800 euros por mês. Foi professora em Moçambique, em Portugal nunca descobriram a reforma dela. Portanto, depende de mim, tenho de trabalhar para ela. Mas como ela está sempre ao meu lado e não atrás, merece a minha ajuda».

No meio de toda a campanha, este foi, para mim, o momento mais excitante e esclarecedor.

Qual dívida, qual FMI, quais muitas centenas de milhar de desempregados, qual salário mínimo que só pode aumentar às pinguinhas até chegar aos 500 euros, quais diminuições de salários injustas porque não são para todos, qual mar e heróis dele que já fomos e entregámos à gestão comunitária e aos arrastões de fundo, qual Alqueva à espera da reforma agrária e do regadio, qual aproveitamento do sub-solo, quais indústrias de fileira produtiva, qual tecido económico com micro, pequenas e médias empresas!

Para a minha sensibilidade, este episódio dos 800 euros é mais chocante que as traficâncias e especulações ao nível das centenas de milhar e milhões.

Este é o retrato de uma mentalidade que me/nos envergonha, e que está por detrás, responsável, do estado em que estamos, ou é a sua insuportável face superstrutural, resquício medievo.

Este homem, a dizer isto no século xxi, nunca será o Presidente da República de todos os portugueses, a eleger em 23 de Janeiro de 2011!

 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR