«Está disposto a tocar no seu próprio salário, no salário dos ministros, dos deputados, do Presidente da República, dos presidentes de Câmara, dos Governos regionais, dos gestores públicos, dos dirigentes dos institutos públicos?» - perguntou o presidente do CDS-PP no debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado ao primeiro-ministro, acrescentando: «e deixo-lhe a sugestão de abdicarmos todos do 13.º mês».
O objectivo, disse Paulo Portas, é «dar o exemplo» e «reforçar a autoridade política» para congelar os salários da administração pública.
Sócrates, mesmo dizendo que a proposta é populista e demagógica, afirmou: «não me importo nada de reduzir o meu salário. Tenho o maior gosto em contribuir com o meu 13.º mês. Não contará com a minha oposição.»
Dias antes, o ministro das Finanças já se tinha afirmado disponível para abdicar do seu salário, a exemplo do que anunciou o Governo irlandês.
Esta é uma daquelas ideias que tem todas as condições para pegar. Uma ideia fácil, que até pode parecer generosa, mas que é muito perigosa.
Os problemas do país não se resolvem com cortes nas retribuições «dos políticos» e dos chefes. Resolvem-se, entre outras medidas, com uma distribuição justa da riqueza, que a vá buscar onde ela está - nos escandalosos lucros dos grandes grupos económicos e na exploração desenfreada de quem trabalha - para a pôr nos salários, nas pensões, nos serviços públicos, nas prestações sociais.
O exemplo da Irlanda, que inspirou o ministro das Finanças, é aliás revelador.
Dizem os jornais que o Orçamento de Estado irlandês apresentou, como forma de combater a crise, um corte de 20% no salário do primeiro-ministro e de 15% no dos ministros.
Ao resto da proposta é que foi dado menos destaque: aos funcionários públicos irlandeses foram cortados 10% dos salários e o subsídio de desemprego e os abonos de família também foram reduzidos.
Como Portas acabou por confessar, este é o tipo de medidas que serve para «dar o exemplo» e abrir caminho para, mais dia menos dia, propor um corte no salário e no 13.º mês de todos os trabalhadores.
E isso não se pode admitir.