terça-feira, 30 de março de 2010

A finança e os milagres

Longe vai o tempo em que a usura era pecado mortal… Talvez por isso e ou por o juro oferecido às contas poupança ser “superior a 5%” – vá lá saber-se… – a Fábrica do Santuário de Fátima foi apanhada na bancarrota da Islândia.

Castigo de Deus ou consequência natural da ganância capitalista?

É sabido que um dos epicentros da actual crise do capitalismo se situou na falência de grandes bancos.

Três deles são islandeses e quando entraram em falência a sua dívida conjunta era seis vezes superior ao PIB daquele país.

Em 2007 a Islândia era um «milagre».

Em 2009 entrou na bancarrota.

Com o despoletar da crise caiu o governo, substituído por outro saudado nos media como «de esquerda» (uma coligação de sociais-democratas e verdes).

Este governo «de esquerda» negociou com os credores internacionais desses bancos o acordo que seria de esperar («Lei Icesave»): a socialização dos prejuízos.

Ao contribuinte islandês caberia pagar nos próximos 15 anos o equivalente a 2/3 do PIB mais 5,5% de juros.

Acontece que o povo islandês pôde pronunciar-se em referendo sobre esse acordo e rejeitou-o com 93% dos votos.

As contas-poupança Icesave ofereciam juros de mais 5% e o banco Kaupthing oferecia condições semelhantes.

Não admira que tivessem atraído depositantes de todo o mundo.

O sítio WikiLeaks publicou agora uma listagem (confidencial, e cuja publicação o banco tentou por todos os meios impedir) de credores do banco Kaupthing com mais de 28 mil nomes.

Desde grandes bancos e empresas, a fundos de pensões e autarquias (de Inglaterra e da Holanda), a investidores individuais a lista é particularmente interessante.

E um dos aspectos interessantes resulta da forma como ilustra o papel destas operações de especulação financeira no processo global de centralização do capital.

Angariam investidores de diferentes dimensões mas é nos grandes grupos que se concentram as vantagens e os lucros, como aconteceu com o grupo Bauger, proprietário de meia Islândia, que investiu na Grã-Bretanha à conta de empréstimos de 330 biliões de coroas islandesas, e que está agora a ser investigado pelo Serious Fraud Office (a mesma entidade, por acaso, que tem investigado o processo Freeport).

Entre os credores incluídos na lista agora publicada estão instituições religiosas: as Carmelitas del Sagrado Corazón e a Fábrica do Santuário de Fátima.

Se tivessem sido mais prudentes, saberiam que milagres da multiplicação se podem encontrar na Bíblia, mas que quando se trata do universo financeiro do capitalismo é preferível consultar Marx.

Artigo de Filipe Diniz publicado no odiário.info.
 
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