segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Será mesmo uma candidatura diferente?

Confesso que ando fascinado, diria mesmo sensibilizado, com tanto desvelo.

De repente analistas, jornalistas e comentadores andam numa lufa-lufa que só visto, ouvido e lido.

Ele é análises e contra-análises.

Ele é propostas e contrapropostas.

Tudo com um só objectivo: assegurar uma votação histórica do candidato comunista às eleições presidenciais.

Quiçá mesmo vencê-las!

Mas de repente, vá-se lá saber porquê, veio-me à ideia aquela conhecida frase: «Sob o manto diáfano da fantasia a nudez crua da verdade.»

E desci à terra!

A perturbação causada em diferentes sectores (à esquerda e à direita) do espectro político pela apresentação da candidatura do dirigente comunista Francisco Lopes é evidente.

Porque será?

Será pela análise que faz à situação do país e às suas causas?

Será pelas soluções que aponta para a resolução dos problemas existentes?

Será por querer dar voz aos trabalhadores e ao povo de Portugal, protagonistas da ruptura e da mudança cada vez mais necessárias?

«Eles» sabem muito bem que sim!

Os argumentos dos adversários confessos, visando desvalorizar esta candidatura, são múltiplos e variegados.

Desde logo, as baixas e soezes, na forma e no conteúdo, referências quer à origem social, quer às habilitações literárias de Francisco Lopes.

Apetece dizer que o (des)governo dos «doutores» e «engenheiros» é que conduziu Portugal ao actual estado de coisas.

Depois vêm os chavões do costume, típicos argumentos ad nauseam.

«Homem do aparelho», proclamam.

Cavaco Silva, Francisco Louçã, Mário Soares, Jorge Sampaio não foram - ou são - dirigentes partidários?

E Manuel Alegre?

Ou será que ser do aparelho só é mau se o aparelho for o do PCP?

«Ortodoxo», berram aos quatro ventos.

E não disseram ou escreveram o mesmo sobre os outros candidatos comunistas em anteriores eleições presidenciais?

«Perfeito desconhecido» do país e do eleitorado.

A sério?

Então expliquem lá onde foram buscar, de uma hora para a outra, tantas informações quanto aos seus supostos deméritos?

A algum Espírito Santo de orelha?

Perante tais «argumentos», seria lógico e natural que festejassem e aplaudissem a candidatura de Francisco Lopes.

Mas não o fazem.

E sabem muito bem porquê.

E nós também...

A realidade é outra.

E está toda ela na declaração de candidatura de Francisco Lopes, sintomaticamente silenciada na comunicação social dominante.

Aí se afirma que o declínio nacional, a descaracterização do regime democrático e o ataque à soberania e independência nacionais marcam hoje a realidade do país.

E que há responsáveis: o PS e o PSD, com ou sem o CDS, que durante mais de três décadas partilharam alternadamente a governação em confronto com os valores de Abril.

Aí se sublinha que este caminho de retrocesso e desigualdades sociais contrasta com a escandalosa protecção e apoio dados ao grande capital e ao aumento dos seus colossais lucros.

Que esta situação exprime as contradições do sistema capitalista mundial e o peso cada vez mais negativo do processo de integração europeia.

E que este é um caminho inaceitável.

Aí se destaca que esta candidatura exprime a exigência de uma profunda ruptura e de uma efectiva mudança em relação às orientações políticas seguidas nas últimas décadas.

E se afirma, sem hesitações, que há um outro rumo e uma outra política capazes de responder aos problemas nacionais.

E se apresentam as grandes linhas desse rumo.

Qual das outras candidaturas, já apresentadas ou por apresentar, pode - falando verdade - dizer o mesmo?

Alguém dá um passo em frente para responder afirmativamente?

Ao leitor a possibilidade de decidir.

In jornal "Público" - Edição de 17 de Setembro de 2010

António Vilarigues no Castendo
 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR