terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Évora “parou” há oito anos

A cidade de Évora está, na opinião de quem a governou durante 25 anos, Abílio Fernandes, "parada" e com problemas sérios ao nível do desenvolvimento. Nesta que é a primeira grande entrevista depois de ter deixado a residência do município eborense, Abílio Fernandes, fala de uma cidade adiada, "parada no tempo" pela "má gestão actual".

Segundo o histórico autarca, nesta entrevista exclusiva ao Registo, o PS deixou "cair" por "partidarismo" obras fundamentais. Os projectos que não passaram disso mesmo e dos efeitos que a não execução provocou na economia da cidade.

Abílio Fernandes, 70 anos de idade, membro activo do PCP, a nível nacional, não diz não a uma luta, mesmo que tenham de ser as já durante 25 anos travadas por si.

Como classifica a situação actual da cidade de Évora?
A cidade está parada. O que me apoquenta mais é a questão dos comerciantes do centro histórico me manifestarem uma grande preocupação e frustração relativamente à paralisação da vida naquela zona da cidade. Esse facto está transformar a participação que havia e que se notava, no nosso tempo, em que havia um movimento ascendente com a dinamização do centro histórico, com o envolvimento da população e dos comerciantes.
Estávamos numa linha de desenvolvimento da cidade com a melhoria da iluminação, infra-estruturas e francas propostas de animação que vinham sendo aperfeiçoadas e que estavam a dar resultados muito positivos. Tudo isso morreu. É uma queda muito forte e não foi da crise, sendo que esta irá sentir-se ainda mais devido à paralisação da dinamização do centro da cidade.

O actual executivo, na sua opinião deixou projectos na gaveta?
Sinto muito, mesmo muito, que não tenham avançado com a principal obra que a cidade precisa para resolver o problema do trânsito. Não podiam ter deixado de construir a variante à circular de Évora. O estrangulamento de trânsito, que temos hoje, na circular junto às muralhas é um atraso de vida para as pessoas e para o desenvolvimento da cidade. Nunca deveria ter parado e já deveria estar realizada a obra.

É o único projecto que parou?
Não. Outra obra que não deveria ter parado é a do Rossio de São Brás. A sua transformação impunha-se para animar o crescimento estruturado de toda a cidade a partir do novo centro, da sua Grande Praça. A partir dela perceber-se-ia claramente que a cidade não estava parada e que devia caminhar para a sua homogeneização urbanística e transformar-se numa cidade com o tecido urbano contínuo e globalizado, tratado em qualquer dos seus cantos e recantos.
Completar esta nova cidade delimitada pelos seus quatro extremos: Bairro de Almeirim, Bairro do Bacelo, Bairro de Santa Luzia e Bairro da Malagueira, é uma responsabilidade da herança urbanística que recebemos do 25 de Abril de 1974. A estruturação e a expansão dos antigos bairros clandestinos foi o primeiro passo dado para se perspectivar esta nova cidade de Évora. Ela está naturalmente definida. Há que completá-la.
Mas o que vemos é que a homogeneização da cidade parou.

Como assim?
Começou a surgir a dispersão e procura de novas centralidades. Isto é mau. Não se acaba tão cedo a cidade. O perímetro urbano da cidade não devia ter sido aumentado.
Pararam os projectos essenciais como o Complexo Desportivo, a recuperação do Salão Central, a construção de novas fábricas na zona de expansão do Parque Industrial e o Centro de Congressos. Estes projectos não são de cariz partidário. Foram projectos onde a participação de conceituados técnicos levou também às discussões públicas com efectiva participação de todos os eborenses.
Parou também a ideia de retirar a Feira de São João do Rossio de São Brás. Estava em marcha a construção de um Parque de Feiras e Actividades Económicas. Era uma estrutura fundamental para a dinamização económica, onde inseriria a Feira de S. João com equipamentos modernos e onde funcionaria um parque de exposição de actividades económicas durante todo o ano, com diversos equipamentos e vida regular dos eborenses e dos visitantes.
Estes eixos essenciais do desenvolvimento da cidade de Évora pararam. Pararam pelas más opções do partido que hoje governa a cidade de Évora.

Ou seja, na sua perspectiva o desenvolvimento parou?
Parou e foi muito mau para a cidade. Lembro que estes eixos de desenvolvimento que falo não eram projectos da CDU ou do partido Comunista Português. Eram projectos discutidos e avaliados durante muito tempo com os técnicos mais conceituados e com os eborenses.
Não serve de desculpa dizer que eram projectos que vinham de trás e que têm o direito de alterar. Mas este direito não pode ser utilizado em prejuízo do desenvolvimento da cidade.
Hoje, que olho para esta questão mais distanciadamente, e que não sou candidato, posso dizer que o facto destes projectos fundamentais terem parado, travaram a vida e a animação da cidade nestes últimos anos.

Com a actual crise, teme que a cidade elimine mais postos de trabalho?
Temo que vá haver mais perdas de postos de trabalho. Vai agravar-se a crise mundial e a situação local vai sofrer ainda mais, em parte por culpa da má gestão que tem sido desenvolvida.
Esta Câmara desperdiçou um valor precioso para a defesa e desenvolvimento deste território: a participação das pessoas e a concertação de todos os agentes para a própria vida económica e social.
Não há dinheiro que caia do céu, só com a participação, com o envolvimento das pessoas para inovar e encontrar formas de desenvolvimento se poderia fazer face à actual situação.
Não trazem os eborenses à discussão das grandes questões e os projectos de promessas que apresentam são contratos com empresas de fora, desinseridos das realidades locais como foi o caso da Parque-Expo na definição da estratégia para o centro histórico da nossa cidade.
Évora só tem uma solução, é retomar o papel dinamizador da Câmara e estabelecer um clima de participação dos eborenses na vida pública.

Nessa perspectiva, Abílio Fernandes tem responsabilidades perante a cidade?
Claro que sim. Tenho responsabilidades em termos de participação. Tenho estado mais afastado, tenho estudado Évora, o país e o mundo, mas estou dentro do PCP activo e colaborante como sempre estive - mas atento, muito atento à nossa cidade.

Se o seu partido decidir que seja candidato a presidente da Câmara Municipal de Évora, às próximas eleições, que fará?
Eu sou militante organizado e respeito as decisões colectivas. Contudo, o partido pondera as razões de cada um. Eu tenho razões para não ser candidato. Em primeiro lugar estou com 70 anos; em segundo fui presidente ao longo de 25 anos e por ultimo, estou a trabalhar para muitas outras áreas de que o partido precisa. Daí que diga que não me devam considerar como candidato.

Entrevista de António Veladas

Publicado no
Mais Évora
Original publicado no Registo
 
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