sábado, 7 de agosto de 2010

A morte de um justo do Século XX português


Adeus António

Sem surpresa de maior mas nem por isso com menos tristeza e mágoa, chega a notícia da morte, aos 95 anos, de António Dias Lourenço, destacado militante e dirigente do PCP antes e depois do 25 de Abril, uma grande figura do movimento operário português no século XX, operário de Vila Franca de Xira e homem de cultura companheiro e amigo dos grandes vultos do neo-realismo, 17 anos passados nas prisões do fascismo, primeiro director do Avante! legal, portador de uma imensa e rica experiência política e sabedoria de vida que entretanto nele se desvendava coma maior das simplicidades e naturalidade e que, até pouco tempo antes do seu falecimento, conservava um interesse pela vida política e cultural, uma vivacidade de espírito e uma energia assinaláveis.

Ainda há pouco tempo, a propósito do documentário "48" de Susana Sousa Dias, tive ocasião de referir aqui «como particularmente inesquecível, sagaz e penetrante é a declaração de António Dias Lourenço, cito de memória, de que a PIDE podia fazer-lhe tudo o que quisesse mas não podia mandar na sua cara quando fosse fotografado e que jamais deixaria que o seu retrato prisional fosse o de um torturado ou de um derrotado».

Lendárias eram também a sua capacidade de iniciativa e coragem bem atestadas por exemplo na sua fuga de Peniche. E também num episódio dramático da revolução de Abril em que as imagens de arquivo da RTP mostram um Dias Lourenço intervindo activamente na tentativa de conciliação e de evitar o pior no ataque reaccionário ao RALIS em 11 de Março de 1975 em diálogo com o oficial paraquedista às ordens de Spínola e com o capitão Dinis de Almeida. Alguns perversos e encartados anticomunistas chegaram a afirmar que essa imediata presença de Dias Lourenço no teatro dos acontecimentos era a prova provada de que o PCP sabia antecipadamente o que ia a acontecer. Pura tonteria. Dias Lourenço era mesmo assim: ouviu a notícia na rádio, não pediu novas nem mandados, ala que se faz tarde e marchou para o RALIS, sem mais quês nem porquês.

E, mistérios da memória, prece que estou a ver as dez linhas, mais coisa menos coisa, com a sua letra certinha e muito cuidada que escreveu, para aí em 29 de Abril, numa tira de papel quadriculado A4 e que me mostrou na cooperativa livreira que tinhamos na Rua Braamcamp e que, nesses dias, funcionou como «quartel-general» do movimento democrático em Lisboa. Tratava-se de um bilhete que, de seguida, mandou a Mário Soares sensibilizando-o para a necessidade de a próxima manifestaão do 1º de Maio ser não uma jornada exclusivamente sindical mas antes uma celebração política global da vitória democrática sobre a ditadura fascista.

Em boa verdade, o António merecia umas linhas mais bem inspiradas do que estas. Talvez alguém as escreva como a sua vida e personalidade bem merecem. Entretanto, uma coisa é certa: António Dias Lourenço é daqueles portugueses que parte mas a sua intervenção, generosidade e dedicação às causas que iluminaram a sua vida e a dos seus camaradas, deixa sulcos indeléveis na história da luta do povo português pela liberdade, pela democracia, pelo progresso social. ulcos indeléveis na história da luta do povo português pela liberdade, pela democracia, pelo progresso social.

 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR