segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Manifesto dos economistas aterrorizados

Interessante texto, um pouco extenso mas que recomendo a sua leitura na integra, nomeadamente as justificações para cada falsa evidência.

Deixo apenas a nota do Resistir.info, as 10 falsas evidências e as 22 medidas em debate.

Associação Francesa de Economia Política (AEFP) - Manifesto dos economistas aterrorizados

Crise e Dívida na Europa: 10 falsas evidências, 22 medidas em debate para sair do impasse

Philippe Askenazy (CNRS, Ecole d'économie de Paris), Thomas Coutrot (Conselho Científico da Attac), André Orléan (CNRS, EHESS, Presidente da AFEP), Henri Sterdyniak (OFCE)

A nota introdutória:

Aparentemente, o autismo dos economistas da corrente dominante começa a ser abalado pela presente crise do capitalismo.

Este manifesto da Associação Francesa de Economia Política é um indício de uma inquietação que começa a aflorar.

Entretanto, os signatários ainda estão longe de uma ruptura radical com o pensamento dominante e, menos ainda, de preconizar uma ruptura com o capitalismo – pretendem apenas consertá-lo e parecem acreditar que isso seria possível.

O que os aterroriza são os piores excessos do neoliberalismo e não o capitalismo.

As reformas que preconizam estão longe de serem uma panaceia e a sua exequibilidade parece duvidosa sob a actual correlação de forças, ou seja, sob a quase absoluta ditadura do capital financeiro.

A presente publicação neste sítio destina-se a documentar uma incomodidade (louvável) que agora começa a afectar economistas não marxistas.

resistir.info
 
Falsa evidência n.º 1:
OS MERCADOS FINANCEIROS SÃO EFICIENTES
Para reduzir a ineficiência e instabilidade dos mercados financeiros, avançamos com quatro medidas:
Medida n.º 1: Limitar, de forma muito estrita, os mercados financeiros e as actividades dos actores financeiros, proibindo os bancos de especular por conta própria, evitando assim a propagação das bolhas e dos colapsos;
Medida n.º 2: Reduzir a liquidez e a especulação destabilizadora através do controle dos movimentos de capitais e através de taxas sobre as transacções financeiras;
Medida n.º 3: Limitar as transacções financeiras às necessidades da economia real (por exemplo, CDS unicamente para quem possua títulos segurados, etc.);
Medida n.º 4: Estabelecer tectos para as remunerações dos operadores de transacções financeiras.

Falsa evidência n.º 2:
OS MERCADOS FINANCEIROS FAVORECEM O CRESCIMENTO ECONÓMICO
Para superar os efeitos negativos dos mercados financeiros sobre a actividade económica, colocamos em debate três medidas:
Medida n.º 5: Reforçar significativamente os contra-poderes nas empresas, de modo a obrigar os dirigentes a ter em conta os interesses do conjunto das partes envolvidas;
Medida n.º 6: Aumentar fortemente os impostos sobre os salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos insustentáveis;
Medida n.º 7: Reduzir a dependência das empresas em relação aos mercados financeiros, incrementando uma política pública de crédito (com taxas preferenciais para as actividades prioritárias no plano social e ambiental).

Falsa evidência n.º 3:
OS MERCADOS SÃO BONS JUIZES DO GRAU DE SOLVÊNCIA DOS ESTADOS
Para reduzir a influência da psicologia dos mercados no financiamento dos Estados, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 8: As agências de notação financeira não devem estar autorizadas a influenciar, de forma arbitrária as taxas de juro dos mercados de dívida pública, baixando a notação de um Estado: a sua actividade deve ser regulamentada, exigindo-se que essa classificação resulte de um cálculo económico transparente;
Medida n.º 8 (b): Libertar os Estados da ameaça dos mercados financeiros, garantindo a compra de títulos da dívida pública pelo BCE.
 
Falsa evidência n.º 4:
A SUBIDA ESPECTACULAR DAS DÍVIDAS PÚBLICAS É O RESULTADO DE UM EXCESSO DE DESPESAS
Para instaurar um debate público informado acerca da origem da dívida e dos meios de a superar, colocamos em debate uma proposta:
Medida n.º 9: Efectuar uma auditoria pública das dívidas soberanas, de modo a determinar a sua origem e a conhecer a identidade dos principais detentores de títulos de dívida e os respectivos montantes que possuem.

Falsa evidência n.º 5:
É PRECISO REDUZIR AS DESPESAS PARA DIMINUIR A DÍVIDA PÚBLICA
Para evitar que o restabelecimento das finanças públicas provoque um desastre social e político, lançamos para debate duas medidas:
Medida n.º 10: Manter os níveis de protecção social e, inclusivamente, reforçá-los (subsídio de desemprego, habitação…);
Medida n.º 11: Aumentar o esforço orçamental em matéria de educação, de investigação e de investimento na reconversão ecológica e ambiental…tendo em vista estabelecer as condições de um crescimento sustentável, capaz de permitir uma forte descida do desemprego.

Falsa evidência n.º 6:
A DÍVIDA PÚBLICA TRANSFERE O CUSTO DOS NOSSOS EXCESSOS PARA OS NOSSOS NETOS
Para corrigir de forma equitativa as finanças públicas na Europa e em França, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 12: Atribuir de novo um carácter fortemente redistributivo à fiscalidade directa sobre os rendimentos (supressão das deduções fiscais, criação de novos escalões de impostos e aumento das taxas sobre os rendimentos…);
Medida n.º 13 : Acabar com as isenções de que beneficiam as empresas que não tenham um efeito relevante sobre o emprego.

Falsa evidência n.º 7:
É PRECISO ASSEGURAR A ESTABILIDADE DOS MERCADOS FINANCEIROS PARA PODER FINANCIAR A DÍVIDA PÚBLICA
Para resolver o problema da dívida pública, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 14 : Autorizar o Banco Central Europeu a financiar directamente os Estados (ou a impor aos bancos comerciais a subscrição de obrigações públicas emitidas), a um juro reduzido, aliviando desse modo o cerco que lhes é imposto pelos mercados financeiros;
Medida n.º 15 : Caso seja necessário, reestruturar a dívida pública, limitando por exemplo o seu peso a determinado valor percentual do PIB, e estabelecendo uma discriminação entre os credores segundo o volume de títulos que possuam: os grande rentistas (particulares ou instituições) deverão aceitar uma extensão da maturidade da dívida, incluindo anulações parciais ou totais. E é igualmente necessário voltar a negociar as exorbitantes taxas de juro dos títulos emitidos pelos países que entraram em dificuldades na sequência da crise.

Falsa evidência n.º 8:
A UNIÃO EUROPEIA DEFENDE O MODELO SOCIAL EUROPEU
Para que a Europa possa promover verdadeiramente o modelo social europeu, colocamos à discussão duas medidas:
Medida n.º 16 : Pôr em causa a livre circulação de capitais e de mercadorias entre a União Europeia e o resto do mundo, renegociando se necessário os acordos multilaterais ou bilaterais actualmente em vigor;
Medida n.º 17 : Substituir a política da concorrência pela "harmonização e prosperidade", enquanto fio condutor da construção europeia, estabelecendo objectivos comuns vinculativos tanto em matéria de progresso social como em matéria de políticas macroeconómicas (através de GOPS: Grandes Orientações de Política Social).

Falsa evidência n.º 9:
O EURO É UM ESCUDO DE PROTECÇÃO CONTRA A CRISE
Para que o euro possa proteger realmente os cidadãos europeus da crise, colocamos em debate três medidas:
Medida n.º 18 : Assegurar uma verdadeira coordenação das políticas macroeconómicas e uma redução concertada dos desequilíbrios comerciais entre os países europeus;
Medida n.º 19 : Compensar os desequilíbrios da balança de pagamentos na Europa através de um Banco de Pagamentos (que organize os empréstimos entre países europeus);
Medida n.º 20 : Se a crise do euro conduzir à sua desintegração, e enquanto se aguarda pelo surgimento de um orçamento europeu (cf. infra), instituir um regime monetário intra-europeu (com moeda comum do tipo "bancor"), que seja capaz de reorganizar a absorção dos desequilíbrios entre balanças comerciais no seio da Europa.

Falsa evidência n.º 10:
A CRISE GREGA PERIMITIU FINALMENTE AVANÇAR PARA UM GOVERNO ECONÓMICO E UMA VERDADEIRA SOLIDARIEDADE EUROPEIA
Para avançar no sentido de um verdadeiro governo económico e de uma verdadeira solidariedade europeia, propomos para discussão duas medidas:
Medida n.º 21 : Desenvolver uma verdadeira fiscalidade europeia (taxa de carbono, imposto sobre os lucros, etc.) e um verdadeiro orçamento europeu, que favoreçam a convergência das economias para uma maior equidade nas condições de acesso aos serviços públicos e serviços sociais nos diferentes Estados membros, com base nas melhores experiências e modelos;
Medida n.º 22 : Lançar um vasto plano europeu, financiado por subscrição pública a taxas de juro reduzidas mas com garantia, e/ou através da emissão monetária do BCE, tendo em vista encetar a reconversão ecológica da economia europeia.
 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR