quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sobre António de Spínola: Os dislates de agora e um texto de há 16 anos.

Com o imperdoável atraso de quase dois dias, dou-me conta de que, no contexto da inauguração de uma avenida com o nome de António de Spínola (foto acima a que retirei colorido porque assim me parece mais verdadeira), o Presidente da República afirmou que o Marechal Spínola «lutou por um Portugal verdadeiramente democrático e pela construção de um Estado de Direito assente no respeito pela dignidade da pessoa humana» e que António Costa, destacada figura do PS e Presidente da Câmara de Lisboa anunciou a construção de uma estátua àquele militar em Lisboa.

Sobre esta matéria, em termos novos, só me apetece comentar que se constata (neste caso, não creio que seja uma boa notícia) que alguns continuam fiéis às cumplicidades que forjaram há cerca de 35/36 anos.

Para além disto, sem a pretensão de sempre ter visto longe mas com a pretensão de ter mais memória do que alguns têm de vergonha na cara, apenas deixo para reflexão actual dos leitores uma crónica que publiquei no Avante! em 5.5.1994, ou seja há 16-anos-16 !.

E que rezava assim:



É evidente que sim !

No vastíssimo conjunto de materiais, entrevistas, memórias e testemunhos que têm sido dados à estampa em torno dos 20 anos do 25 de Abril, seria um grande desperdício político não destacar a importância e o significado das confirmações e revelações feitas quer pelo Marechal António de Spínola quer por muitos que, na área militar e na área político-partidária, foram executantes ou apoiantes dos seus projectos e manobras.

É certo que, em muitos casos, a novidade não está tanto no que dizem ( porque isso, em parte essencial, já foi denunciado na época própria pelo PCP e por outros sectores progressistas ) mas sim no facto de o dizerem e o dizerem com todas as letras.

Neste contexto, sem desvalorizar outras confissões ( que, noutra ocasião política, importará referenciar ), a entrevista de Spínola ao «Expresso-revista » do último sábado fala como um livro aberto.

Deixemos de lado coisas como António de Spínola ainda falar hoje da fantasiosa grande ligação, em 1970, das populações da Guiné à «Mãe-Pátria ». Deixemos mesmo de lado o cuidado com que situa o momento e o contexto do seu apreço por Mário Soares ao afirmar que este « a partir do momento em que lidera a resistência do nosso país contra novas ditaduras de esquerda, é merecedor da nossa gratidão » .

Registemos sim que este homem ( que muitos ainda hoje pretendem apresentar como grande símbolo do 25 de Abril ), à pergunta sobre se teria apoiado uma candidatura de Marcello Caetano às presidenciais de 1972 responde lesto que « sem dúvida ! » . Registemos que considera que, por volta de Fevereiro de 1974, « talvez eu tenha cometido o erro histórico de não ter assumido a liderança do processo de mudança de regime » com o que - calcule-se - « ter-se-ia evitado um 25 de Abril por via revolucionária uma vez que os seus objectivos teriam sido atingidos por via democrática » (!!!). Registemos que, renovando os seus laços e afectos com os oficiais envolvidos no 16 de Março de 1974, logo cuida de acentuar que « também é verdade que esses oficiais se opunham às correntes esquerdistas que emergiam no Movimento dos Capitães ».

E depois de registarmos os nexos políticos deste conjunto de afirmações relativas ao seu posicionamento, preocupações e objectivos nas vésperas do 25 de Abril, registemos agora a sua defesa das vantagens da constituição, logo a seguir ao 25 de Abril, de « um governo militar » ( obviamente, sob o seu pingalim ) que « teria evitado muitos desvios à democracia (!!!), pois não seria tão grande o poder da esquerda do MFA » e registemos também a sua confissão de que, antes do 28 de Setembro « impunha-se manter a ordem mediante a tomada de medidas de excepção » que terminariam « com as actividades políticas do MFA » (!!!) e com « as actividades conspiratórias do PC no seio das Forças Armadas » (!!!).

E registemos sobretudo que, perguntado sobre se estaria disposto a ilegalizar o PCP caso não acatasse as suas condições, o bastante antigo oficial de cavalaria que andou pela frente leste da ofensiva militar do nazismo responde tranquilamente que « É evidente que sim ! ».

E é por tudo isto e pelo muito mais que fica por dizer que, se há alguém perguntar ao PCP e aos comunistas se, passados vinte anos, ainda se sentem seguros da sua razão e orgulhosos do combate que corajosamente moveram às conspirações, aos golpes e ao projecto político reaccionário e visceralmente antidemocrático que Spínola protagonizou, a resposta só pode ser « É EVIDENTE QUE SIM !!! ».

 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR