«É difícil agarrar as palavras, aprisionadas nos meus dedos.
Mas tenho que as soltar, forçá-las a descer para o papel.
Porque quero falar desta dor tão grande que não é só minha.
Porque a vi em muitos rostos: camaradas, amigos, desconhecidos.
Porque vi em muitos olhos as lágrimas que não consigo chorar.
Porque a senti em muitas mãos que se me deram.
Em muitos abraços que me envolveram.
Partilhando-a.
Há que ter força, amigo - repetia, enquanto o dizia para mim própria.
É isso que eles esperavam de nós: Vasco, Álvaro.
Tagore escreveu: "O oceano das lágrimas tem outra margem, senão nunca ninguém tinha chorado».
E nós sabemos que a única forma de atravessar esse largo, profundo, salgado e perigoso mar é lutando contra a força adversa da corrente.
Muitos têm ficado e ficarão ainda pelo caminho, porque os seus braços foram cruelmente decepados, tornando o nadar impossível. Porém, os corpos ficaram inteiros e limpos no fundo das águas e nos nossos corações.
Na outra margem habita o nosso sonho, o nosso mundo futuro, onde os homens respirarão cada letra da palavra liberdade, com tudo o que isso significa.
Agora, só nos resta transformar esta imensa dor em luta.
Cada vez mais forte.
Cada vez com mais confiança: palavra tão querida e repetida em teus lábios, irmão»
(de «Escrita de Esferográfica - Crónicas», Maria Eugénia Cunhal)