terça-feira, 15 de junho de 2010

«AS PALAVRAS POSSÍVEIS»

«É difícil agarrar as palavras, aprisionadas nos meus dedos.

Mas tenho que as soltar, forçá-las a descer para o papel.

Porque quero falar desta dor tão grande que não é só minha.

Porque a vi em muitos rostos: camaradas, amigos, desconhecidos.

Porque vi em muitos olhos as lágrimas que não consigo chorar.

Porque a senti em muitas mãos que se me deram.

Em muitos abraços que me envolveram.

Partilhando-a.

Há que ter força, amigo - repetia, enquanto o dizia para mim própria.

É isso que eles esperavam de nós: Vasco, Álvaro.

Tagore escreveu: "O oceano das lágrimas tem outra margem, senão nunca ninguém tinha chorado».

E nós sabemos que a única forma de atravessar esse largo, profundo, salgado e perigoso mar é lutando contra a força adversa da corrente.

Muitos têm ficado e ficarão ainda pelo caminho, porque os seus braços foram cruelmente decepados, tornando o nadar impossível. Porém, os corpos ficaram inteiros e limpos no fundo das águas e nos nossos corações.

Na outra margem habita o nosso sonho, o nosso mundo futuro, onde os homens respirarão cada letra da palavra liberdade, com tudo o que isso significa.

Agora, só nos resta transformar esta imensa dor em luta.

Cada vez mais forte.

Cada vez com mais confiança: palavra tão querida e repetida em teus lábios, irmão»

(de «Escrita de Esferográfica - Crónicas», Maria Eugénia Cunhal)
 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR