domingo, 27 de junho de 2010

Reflexões lentas - o serviço público e as empresas


Nestas reflexões, sinto ter entrado numa espécie de labirinto, ou de monstruosa teia de aranha… não!, talvez a melhor imagem seja a de estar perante um puzzle gigantesco, e ter começado a ver, em zoom, algumas das suas peças minúsculas. Minúsculas? Sim... mas enormes. Tudo depende das escalas que usemos.

Nesta série, não vou deixar mais do que alguns dados, que pistas, que informações sobre coisas do nosso quotidiano mais quotidiano, e no que ele está enredado e enredando-se cada vez mais.

A água. A água é-nos indispensável. Já foi bem livre, não económico. Por isso, o seu acesso, a criação de condições para abastecimento, se processo de "economização", isto é, de transformação em produto, em mercadoria, foi lento, venceu várias etapas, passou inevitavelmente pela de ser objecto de serviço público, fora da óptica do mercado, qual mercadoria cuja preparação e distribuição tivesse a finalidade de acrescer a riqueza individual ou de grupo de uns tantos à custa da exploração de trabalho de muito outros, finalidade inerente ao sistema de relações sociais em que se inseria. Uma espécie de reserva de solidariedade, sem benefícios para uns e sacrifício de outros.

Que vemos hoje?

Diz-nos o grupo de empresas Águas de Portugal (AdP SGPS, S.A.):

Quem Somos

Somos um dos grandes grupos empresariais do sector do Ambiente em Portugal e temos por missão contribuir para a resolução dos problemas nacionais nos domínios de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de tratamento e valorização de resíduos, num quadro de sustentabilidade económica, financeira, técnica, social e ambiental.

Trabalhamos com o objectivo de proteger e valorizar o ambiente natural e humano: a actividade das empresas do grupo engloba a captação, o tratamento e a distribuição de água para consumo público, observando os mais elevados padrões de qualidade; a recolha, o tratamento e a rejeição de águas residuais urbanas e industriais, incluindo a sua reciclagem e reutilização em condições ambientalmente seguras, e o tratamento e valorização de resíduos sólidos.

A Sustentabilidade na utilização dos recursos naturais e a preservação da água enquanto recurso estratégico essencial à vida, o Equilíbrio e melhoria da qualidade ambiental, a Equidade no acesso aos serviços básicos e a promoção do Bem-estar através da melhoria da qualidade de vida das pessoas são os valores fundamentais do Grupo AdP.

Diria eu: belo paleio!

Com imagens lindas, cativante.

E… depois?

Depois…

“áreas de negócio:

• águas,

• ambiente,

• resíduos,

• outros negócios”

“estrutura accionista:

Parpública - Participações Públicas, SGPS, S.A -. 72,2%

Parcaixa, SGPS, S.A. - 19,0%

Direcção Geral do Tesouro (DGT) - 8,8%

Mais informações:

um capital próprio que ronda os 500 milhões de euros,

uma dívida bancária que duplicou nos últimos 5 anos, ultrapassando, agora, os 2, 5 mil milhões de euros!


Que esperam – e desejam – as pessoas, aquelas a quem chamam “cidadão comum”, de entidades ou empresas como a EDP, a AdP, a PT, os CTT?

Que, nas suas actividades, dêem total prioridade, senão exclusividade, ao fornecimento de electricidade, de água, de energia, de condições de comunicação, que lhes satisfaçam essas necessidades adequadamente ao desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas.

E, na generalidade, pouco lhes importará, ao cidadão comum, que tais entidades, empresas, ou seja lá o que forem, sejam públicas ou privadas, tenham esta ou aquela forma jurídica. O que poderá ilustrar o atraso na tomada de consciência, por vezes um recuo no caminho para a consciência da necessidade.

O que esperam – e desejam –, os cidadãos comuns, é que essas entidades lhes prestem o serviço público que, presumem, estará na sua razão social.

No entanto, quem olha para os relatórios e outros documentos de tais entidades, fica surpreso. É verdade que está lá a dita razão social, embora nalguns casos não muito explicita..., mas revelam-se, sobretudo, estruturas, corpos que actuam em… áreas de negócio! Porque a sua actual configuração, ou aquela para que o sistema de relações sociais as empurra – e as justifica… porque tudo o resto não teria justificação ou razão de ser – dá prioridade, não ao fornecimento de água, de luz, de electricidade, de energia, à criação de condições de comunicação entre os cidadãos, mas sim ao modo como contribuem para a acumulação de capital-financeiro. Em algumas poucas mãos. Para isso, entrando em intrincados jogos (ou "engenharias")… financeiros, endividando-se(-nos)

Irei ilustrar com alguns casos


No tempo do fascismo, que foi nesse que nasci e cresci, o sistema era capitalista e o regime o mais reaccionário que o sistema podia ser. Mas…
 
Mas a evolução das forças produtivas e a relação de forças sociais, e também uma ideologia paternístico-social (mais de padrasto…), fazia com que houvesse áreas de actividade económica que o regime não incluía dentro da lógica do que hoje se chama economia do mercado e outra coisa não é que capitalismo. Eram os serviço público. Que correspondiam a áreas de direitos essenciais das pessoas, e direitos que se traduziam em acessos gratuitos, ou de simbólico preço, para a população em número crescente. Sem pressas, que o tempo por cá não era para isso.

Havia a CRGE, a CAL e similares, os CTT. Quero eu dizer que as Companhias Reunidas de Gás e Electricidade, a Companhia das Águas de Lisboa e outras, os Correios, Telégrafos e Telefones não eram empresas capitalistas, das que tivessem a finalidade de aumentar o capital investido por accionistas.

Isto digo eu, em jeito simplificado, para dizer que as pessoas esperavam, e justamente, que essas entidades lhes fornecessem bens essenciais, primários, fora da área do lucro. A luz, a electricidade, a luz, o correio, as comunicações.

Protestava-se contra haver tanta gente sem esses direitos com resposta, contra os preços, as deficiências de abastecimento, e lutava-se pela acessibilidade. Na lógica de serviço público, ao serviço de que estavam essas, e algumas outras, entidades.

A reflexão continua

Sérgio Ribeiro no Anónimo Séc, XXI.
 
RESISTIR POR UM MUNDO MELHOR